Do olhar em “Pelo Malo”

pelomalo

O olho, eu chegaria a dizer, organiza o mundo como espaço. Jacques Lacan, em O Seminário – livro 10.

Mais um texto que veio na esteira dos que fiz para o ciclo de cinema que organizo aqui na Zona Norte, o filme “Pelo Malo”, gerou um debate rico e diversas impressões, uma das quais destaco aqui: a questão do olhar.

A questão do olhar é a que nos afeta ao assistirmos o filme Pelo Malo, de Mariana Rondón. Junior, um garoto de 9 anos de idade, sonha em ter o cabelo liso e parecer com cantores famosos, mora com sua mãe e seu irmão, ainda bebê. No entanto, Marta, sua mãe, impede que qualquer sinal desse desejo de Junior manifeste-se.

É nesse contexto que o filme se desenvolve. Um filme que trata de preconceitos, injustiças e questões sociopolíticas na Venezuela contemporânea, mas que também traz à tona o que há de mais singular no sujeito – e é disso que a psicanálise trata.

Junior em nenhum momento do filme sente-se olhado pela mãe. Apesar de possuir uma moradia, ter mantimentos (mesmo que poucos) no armário e nada que seja fundamental para a sobrevivência lhe falte, ainda não se sente olhado. E sonha em bater uma foto fantasiado de cantor com o cabelo liso – uma foto, um olhar capturado pela lente.

A mãe, por outro lado, acredita que olha para o filho. Enxerga-o como um homossexual e busca, inclusive, explicações médicas para isso. Ainda, ao reprimir qualquer manifestação do desejo de Junior de alisar o cabelo acredita que está fazendo o melhor para ele, para que ele não sofra – nem agora, nem no futuro – por crescer em uma sociedade machista e preconceituosa.

Em determinado momento do filme, o garoto, já desesperado, grita para a mãe: “Olhe pra mim! Nesta casa todos olham. O bebê olha, eu olho, você também tem que olhar. Olha o meu cabelo liso, olha, olha!” E ao ser cobrado que parasse com tudo isso, Junior responde: “A foto é pra você.”

Podemos construir a hipótese de que, caso procurassem uma análise, cada personagem construiria um trajeto a partir desse objeto olhar.

Enquanto para o garoto seria o de notar o quanto sua mãe olha sim para ele, mas não o olhar que ele espera, o percurso de uma análise da mãe seria o de perceber como ela não consegue acolher o desejo de seu filho, extremamente rígida nas suas escolhas, incapaz de lidar com a alteridade.

Um filme que nos ajuda a pensar um ponto importante que Lacan nos coloca, no mesmo Seminário 10: “tentar ordenar numa mesma relação o desejo, o objeto e o ponto de angústia […]: o olho.”

Deixe uma resposta