A fantasia de psicólogo, um carnaval fora de época?

A primeira contribuição para esse espaço, texto escrito pelo jovem analista Leandro Unzueta¹, com algumas considerações minhas.

O Ser Psicólogo e o que se pensa a respeito dele

Por mais que tenhamos passado o carnaval há pouco, vale a pena retomarmos a ideia de fantasia que a comemoração nos proporciona. Nos poucos dias em que se vivencia o carnaval, nos permitimos vestir fantasias e sair da rotina de maneira descontraída e sem tanto pudor, e a fantasia tem esse papel de como uma segunda pele nos isentar do dever de responder pela primeira. Entretanto, ela nos proporciona a liberdade de criar uma nova maneira de ser… Naquele momento, sem julgamentos ou críticas. E quando o carnaval acaba retiramos a fantasia e a vida rotineira e “normal” segue.

E será que existiria uma fantasia de psicólogo? Essa pergunta me ocorreu após passar por diversas vezes por uma situação que acredito que muitos colegas passam: É sempre um prazer conhecer pessoas novas, e geralmente nesses momentos você se apresenta dizendo o que você faz, de onde vem, e esse tipo de coisa. No meu caso, digo que sou psicólogo e nessa hora a pessoa que você está conversando muitas vezes chega a mudar de comportamento, e geralmente existem duas tendências: a primeira é começar a falar de suas angustias como se tivesse acabado de iniciar uma sessão; a segunda é diminuir a fala e depois em um momento futuro perguntar “você esta me analisando?”, como se ela também tivesse começado uma sessão, porém a contragosto, colocando o coitado do psicólogo na posição de quem sabe tudo de todos e que qualquer palavra mal colocada em uma conversa de bar poderia revelar seus maiores e mais obscuros segredos…

Por incrível que pareça, essa situação é mais comum do que se pensa.

Por isso vale a pena fazer algumas considerações a respeito, em primeiro lugar, nós “psi” não temos esse poder de conhecer uma pessoa por completo em alguns minutos, e acredito que nem gostaríamos disso. Além do mais, quando estamos fora do trabalho estamos fazendo qualquer outra coisa exceto trabalhar, afinal, dá trabalho ser psicólogo e “analisar” as pessoas. Ou seja, quando estamos na rua, no bar, na academia, ou em qualquer outro lugar, não estamos trabalhando, e nunca faríamos sem a autorização das pessoas “analisadas”, pois o único interesse (a demanda de análise) parte do analisando e não do analista, sem contar que ninguém trabalha de graça…

Mas então eu estou querendo dizer que existe sim uma fantasia de psicólogo? Que quando entramos no consultório nos transformamos no ser psicólogo e quando saímos deixamos de lado a fantasia? Muito pelo contrário o psicólogo no consultório é o mesmo que em qualquer outro lugar, entretanto tem uma diferença significativa, durante seu trabalho o psicólogo exerce uma prática, ele executa um método, que é o método psicanalítico. Estamos falando aqui principalmente da atenção flutuante que nada mais é do que a contrapartida da associação livre. Freud em seu texto Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise (1912) cria o conceito que depois é chamado de atenção flutuante, método primordial para a análise.

Em poucas palavras, a atenção flutuante consiste em não se prender ao discurso do analisando, ouvir, mas sem se reter. Nas palavras do próprio Freud:

Ele deve conter todas as influências conscientes da sua capacidade de prestar atenção e abandonar-se inteiramente à ‘memória inconsciente’. Ou, para dizê-lo puramente em termos técnicos: ‘Ele deve simplesmente escutar e não se preocupar se está se lembrando de alguma coisa.

Então o nobre leitor poderia pensar “quer dizer que meu analista nem presta atenção em mim?”, muito pelo contrário, ele presta atenção na produção inconsciente advinda da associação de ideias, e isso é muito de você, ou seja, ele não se prende ao discurso falado, se afina sim com o discurso inconsciente presente no discurso falado, e essa é a técnica da análise, e isso dá trabalho.

A atenção flutuante também é da ordem do inconsciente, e isso não impede dela funcionar quando não estamos trabalhando. Vamos imaginar um músico, uma pessoa que vive de música e estudou a respeito. Imaginemos agora que ele saiu com seus amigos para um bar, e nesse bar tem uma banda, a princípio esse músico não esta ali para trabalhar (apesar das canjas) e tampouco importa prestar atenção na execução das músicas, naquele momento ele é uma pessoa comum e esta ali para se divertir. Porém o ouvido e a mente treinada ainda funcionam mesmo que de maneira inconsciente, como tenho amigos músicos eu já presenciei a seguinte cena: ele esta conversando nesse bar que tem uma banda tocando e de repente ele interrompe a conversa como se alguém tivesse chamado sua atenção e em seguida diz “o guitarrista errou uma nota da música” e em seguida continua conversando como se isso não tivesse acontecido. As outras pessoas que estão com ele não perceberam o erro do guitarrista, mas ele por ser músico e estar com o ouvido afinado notou, mesmo não estando prestando atenção, que algo de desarmônico havia ocorrido, a ponto de lhe chamar a atenção.

Com o analista acontece a mesma coisa, em algum momento ele pode escutar, ler ou ver algo que lhe chama atenção por estar destoante, desafinado com o restante da cena. O seu inconsciente pode capturar algo que lhe chame a atenção, mas isso é natural de quem exerce a prática, assim como o músico no exemplo anterior. Então cabe aqui diferenciar que o analista em seu consultório está focado em exercer a atenção flutuante, diferente de quando ele sai do consultório.

Usando agora um termo dos quadrinhos, é semelhante ao sensor de perigo do homem aranha, ele é acionado quando algo relevante acontece, assim poderíamos pensar em um sensor da mesma ordem, que capturasse algo nos discursos que ouvimos diariamente, mas assim como o músico, quando não estamos trabalhando, no segundo seguinte esquecemos e voltamos ao que estávamos fazendo.

¹ – Psicólogo pela Unifesp. Atua na instituição e na clínica particular. Email: leandro.unzueta@gmail.com

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