Fotografias: o que fazer com elas?

Todo final de ano é uma época festiva: proliferam propagandas com a família reunida em volta da mesa de jantar saboreando uma ceia, decorações de natal aparecem em diferentes lugares, e somos tomados por imagens de celebrações do ano novo ao redor do mundo.

E toda festividade merece ser registrada, e é sobre a ordem desse registro que escrevo: qual configuração a fotografia possui hoje?

Lembro de viajar com meus pais, bater e aparecer em fotos que serviriam como recordação daqueles momentos e ao voltar para casa esperar ansiosamente para ver as fotos reveladas. Será que ficaram todas boas ou alguma queimou? Minha cara ficaria estranha? Deu pra enquadrar todo mundo direitinho?

Dúvidas que só eram sanadas quando o envelope da `Fotótica` chegava, aí era a hora de colocar no álbum de fotografias escolhido, escrever as legendas – para que lembrássemos daqueles momentos no futuro, etiquetar o álbum – para que ficasse fácil de achar depois, e volta e meia até pedir uma cópia extra de uma ou outra foto para colocar no porta retrato.

O que quero dizer com isso é que a foto, na minha experiência, tinha como objetivo a lembrança – algo extremamente pessoal e que não é compartilhado. A experiência é sempre subjetiva, por mais que todo ano houvesse Natal, viagem de ano novo e aniversário, esses eventos nunca eram iguais, e cada vez que olhava aquelas fotos, uma nova memória daquele momento surgia.

A foto era um registro íntimo daquilo que você gostaria de não esquecer.

Aí surgiram as máquinas digitais e depois os celulares com câmera, e nesse meio tempo um site que fez sucesso no compartilhamento de fotos pra toda a geração anos 80: o fotolog.net, depois pegamos gosto pelo Orkut no início dos anos 2000 e desde então a fotografia tem ganhado contornos muito diferentes. Explico.

A cada dia me percebo vendo mais fotos de comidas gostosas – algo antes só pensado em livros de culinária (e agora em páginas como essa do facebook). Percebo também que tirar uma foto transformou-se na obsessão pelo ângulo perfeito, a chance que era única passou a ser infinita, a angústia pela espera da foto passou a não existir mais, agora cliques são realizados freneticamente até que se esteja satisfeito com o resultado (e no fim das contas, ouve-se: não tá boa, mas tudo bem, pode publicar).

E é nesse `pode publicar` que eu queria chegar.

No mundo contemporâneo, a publicação da foto na rede social, especialmente no Facebook, está intrínseca no processo de bater a foto. Tira-se uma foto com o Instagram do celular e pronto, lá está a opção de compartilhar, não só no facebook, mas também no twitter, email, tumblr, flickr e foursquare.

Aparentemente, o homem contemporâneo já tem impregnado em si essa lei: toda foto tirada será publicada.

A foto ganha outra conotação, muito diferente da que tinha antes do desenvolvimento dessas tecnologias, agora ela está para além da lembrança, da experiência subjetiva íntima, do momento que eu gostaria de recordar para sempre. A foto ganha a dimensão do outro.

Assim, podemos pensar então que tudo que for publicado pode sofrer um julgamento por aqueles que você tem um contato na rede social. Julgamento que tem ganhado a forma de `curtir`, `comentar` e `compartilhar`.

Sobre esse julgamento, trago à tona um trecho do filósofo Esloveno Slavoj Zizek, sobre o grande Outro:

”A ordem simbólica, a constituição não escrita da sociedade, é a segunda natureza de todo ser falante: ela está aqui, dirigindo e controlando os meus atos; é o mar em que nado, mas permanece essencialmente impenetrável – nunca posso pô-la diante de mim e segurá-la.  Será […] que nossa autopercepção como agentes livres autônomos é uma espécie de “ilusão de usuário” cegando-nos para o fato de que estamos nas mãos do grande Outro que se oculta por trás da tela e puxa os cordões?”

Parece que as redes sociais estão cada vez mais atravessando os sujeitos e a ordem simbólica, o caldo social, que fazemos parte. Ainda, Zizek escolhe um termo que cabe bem ao assunto que estou abordando: `ilusão de usuário`.

Nas redes sociais somos todos usuários e cada vez mais somos alimentados com essa ilusão de que estamos livres para poder postar fotos qualquer hora, qualquer lugar e para qualquer um ver. Só que o grande Outro que se oculta atrás da tela, não é fomentado só pelo amigo que temos no facebook que curte ou não a foto postada, mas também por nós mesmos.

Ao fazermos parte de toda essa dinâmica, reforçamos esse caldo social. Ao naturalizarmos esse funcionamento, esquecemos que as coisas, no caso a fotografia, não tem uma função em si, somos nós que fazemos o uso que quisermos dela.

No entanto, o caminho não é o da cruzada contra a tecnologia, mas o da reflexão sobre o que estamos produzindo socialmente, sobre a ordem que irá brotar a partir dessas novas ferramentas que surgiram pós século XXI.

[p.s.: o final de ano já passou faz tempo, mas o carnaval acabou de acabar e como dizem por aí que o ano só começa depois do carnaval, apostei nessa máxima para postar o texto agora…]

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