Um aplicativo do facebook com um ‘q’ de analista.

Pode parecer um título estranho, talvez uma afirmação exagerada. De qualquer modo, me arrisco a fazê-la pela experiência que tive nos últimos tempos.

Atualmente, a quantidade de pessoas com facebook é imensa, e todas que estão no meu círculo de amizades já usaram algum tipo de aplicativo, seja um jogo para juntar doces, ou para ser o mafioso mais importante do pedaço ou até para descobrir com qual celebridade você se parece mais.

Enfim, aplicativos existem aos montes, mas estou escrevendo aqui sobre um em especial, o “What Would I Say?”, em português, “O Que Eu Diria?”.

O funcionamento dele é bem simples, você autoriza o aplicativo a ter acesso às suas publicações como postagens e comentários, e ao clicar no botão ‘make me a status’ (em português, ‘faça um status para mim’), o aplicativo gera uma postagem meio Frankenstein, um recorte de diversas frases ditas em diferentes épocas e para diferentes pessoas, as recombina formando uma nova.

Simples e divertido, como um aplicativo deve ser, na minha opinião.

No entanto, a parte que me chamou atenção é que ao pedir para gerar uma postagem, percebi que a reação das pessoas é da ordem do: “Nossa, eu realmente poderia ter dito isso!”. Ou então, “Caramba, como isso faz sentido!”.

Aí já podemos parar e começar a pensar a relação com o processo de uma análise.

Freud afirmou em seu texto ‘Construções em Análise’ que o papel do analista é o de construir aquilo que o sujeito esqueceu, ou foi deixando para trás. Ainda, que muito do que se constrói em análise, não tem valor de dado objetivo real.

Ora, o que temos é exatamente um aplicativo que constrói frases, sem a preocupação de serem verdadeiras (e até mesmo com incoerências lógicas), a partir do que o próprio sujeito já escreveu, mas muitas vezes nem se recorda.

E essa surpresa de todos ao verem as frases formadas pelo aplicativo, é muito parecida com a surpresa ao fazermos uma construção em análise e nos darmos conta de algo que antes não estava claro: “Nossa, eu não sabia que enxergava as coisas dessa maneira!” ou “Caramba, agora faz sentido porque eu agi assim daquela vez”.

As palavras vão ganhando sentido conforme vão sendo colocadas no discurso, e é a palavra seguinte que dá um significado a anterior. Por exemplo: Casa Verde: sem o adjetivo verde, a gente imagina que seja uma moradia, depois do verde, para mim que nasci e cresci na zona norte de São Paulo, é um bairro, para alguém de outra região, talvez seja só uma casa pintada de verde.

E é justamente com isso que o aplicativo brinca, com as palavras e a sequência do discurso. Algo que estava no começo, pode ir para o final, algo que estava no final, pode estar no meio. Transformando o sentido “original” da palavra em algo completamente novo.

E mesmo assim, com a mudança de sentido, as pessoas que usam o aplicativo dizem:

– Essas frases têm tudo a ver comigo.

Investir nas novas possibilidades e nos novos sentidos que a vida oferece, para além de um clique. E se perguntar, não diante do computador, mas diante do analista:

– O que eu diria?

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