Sabem aquela famosa capa na qual os Beatles estão atravessando a rua? Do Abbey Road?
Então, o Abbey Road Studios colocou uma webcam naquela esquina e dá pra ver ao vivo os carros e ônibus passando, pessoas atravessando a rua e OPA! Não, elas param no meio da faixa e alguém bate uma foto. Aí você acha que o próximo atravessar a rua só quer chegar ao outro lado, mas NÃO! Ele para de novo e faz a pose para a foto, o mesmo acontece com um grupo de adolescentes que parecia estar voltando da escola e com a família que o pai atrapalhado não sabia usar a câmera direito e precisaram atravessar umas três vezes até conseguir o melhor enquadramento. Ainda foi possível ver uma noiva (acompanhada por uma verdadeira comitiva com fotógrafos, maquiadores e arrumadores de vestido) que apareceu na foto acompanhada de 3 amigas – mas fez questão de ficar no mesmo lugar do Paul McCartney da original.
Não fiquei mais do que 5 minutos no site e consegui ver tudo isso acontecendo. Clica aí, vale a pena:
http://www.abbeyroad.com/crossing
Lembrei do que o Eugênio Bucci escreveu:
“O capitalismo atual tem sua mercadoria antes na imagem da coisa do que na coisa corpórea. É como imagem que a mercadoria circula. […] (As coisas) nada mais são do que o suporte aparente da imagem da mercadoria, esta, sim, a que concentra valor, a que materializa valor.”
Todos querem a imagem – e só a imagem.
E aí recorro à Maria Rita Kehl:
“O apelo das imagens publicitárias dirige-se a um cidadão genérico; […] o personagem/sujeito da publicidade é um sujeito ‘automático’, que se acredita único, especial (este é o discurso da publicidade) ao mesmo tempo em que está identificado com todos os outros que se identificam com a mesma imagem. Ele é ao mesmo tempo um indivíduo nomeado como único e, sob o apelo genérico que o torna substituível por qualquer outro consumidor, não é ninguém.”
Quando a gente bate a foto lá na Abbey Road, a gente se sente super bem, abafando em Londres igual os Beatles – sujeito único. Mas quando a gente vê pela webcam o acontecimento como um todo, se repetindo infinitas vezes, não passamos de mais um atravessando a rua e batendo uma foto – sujeito automático.
Não estou fazendo uma cruzada contra as lembranças de viagem. Podemos ir até Londres e bater a foto naquela mesma faixa de pedestre, ou até Paris e escolher um momento na frente da Torre Eiffel, ou até São Paulo e ficar no meio da Avenida Paulista para o clique.
O que não podemos é deixar de questionar o estatuto que a imagem ganhou no mundo contemporâneo e o reflexo disso nos sujeitos.